voyeur

quarta-feira, 6 de março de 2024

50tei

Fui buscar a história no tempo e, desde os primeiros minutos deste ano, o tempo tem marcado minha história...
com precisão cirúrgica.
Eu sigo.
Porque aprendi a me remendar, conviver com as cicatrizes, torná-las parte e não por à parte. Aprendi que não tem respostas, só perguntas (é Rosa, maiores perguntas!). 
Sigo pq é preciso seguir, assim como navegar...
Parar, voltar, titubear, tudo desnorteia, então sigo.
Às vezes como uma pluma, outras como um trator.
Dou risada porque é precisa, gargalhada porque é a minha medida e choro porque amo.
Hoje sei um pouco sobre cura e sobre loucura, sobre juízo e um pouco mais sobre riso. Hoje... amanhã talvez não saiba mais nada e comece a aprender tudo outra vez, ou tudo de novo, o que vier.
Absorvo, amalgamo, transformo: sou antropofágica. 
Então, Tempo, pode vir, porque eu também tô te buscando, te estudando, perscrutando.
Pode vir! "Encontrará a casa limpa, a mesa posta, com cada coisa em seu lugar".

quarta-feira, 24 de julho de 2019

Medeias

A voz da mulher é pontiaguda.
Se fala, fere
Se cala, fere-
se
Xenos
- esse não lugar que ocupamos -
mudez imposta
grito interrompido
sobra NÃO
sossobramos
só sobramos
ocas
restamos
cadência nesse nome que se evoca em sussurro
(agudo, dilacerante, premente):
Medeia
eu
Medeia
tu
Medeia
ela
Medeia
nós
Medeia

quinta-feira, 3 de maio de 2018

escarificação

nas cicatrizes
                    vivo
mortes
                   
minhas?

o que me morre
rabisco

terça-feira, 10 de outubro de 2017

meninices

nos meus muitos brinquedos
de menina
capturei eternidades
instantâneas
do quintal
das mangueiras
de peixinhos no riacho
que me demoram envelhecer
fui,
nas diversas janas que fui,
feliz.
corrivoeicaípuleijoguei
e mais sorri
tatuei brincar na alma

e ela ficou travessa.

domingo, 5 de fevereiro de 2017

Do que é feita minha poesia

muitas ganas de Hilda
rasgam
nos barros
meus
de manueis vários.
cortam
me
campos augustos,
haroldos,
muita vez
pessoo-me tanto
em tantas
andradinas
pessoas,
outras.
pluralizo
rosáceas dores,
clariceanos amores.
quem sou
que não me sou?
em vários mins
todos
hão
de ter sido.

domingo, 13 de setembro de 2015

Poetisa

Sou poeta.
Não! Não sou!
Minhas irmãs de outras épocas diziam-se poetas.
Tinham de assumir um falo.
Eu?! Eu, se sou poeta, não sou.
"Não sou nada, nunca serei nada,
Não posso querer ser nada"
A poetisa não fragiliza minha poesia,
desentranhada do útero,
regada no meu sexo,
eviscerada num gozo,
nos ciclos da lua.
Poesia mulher:
febre flébil,
salgada marca delicada,
que se não ecoa
como Pessoa,
tatua a carne,
suave.
Escreve,
inscreve-se
líquida,
no vento.

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Invisível



Delicadeza furtiva
estar sem ser
misturar-se a cheiros,
- plasmar-
se ao todo
no todo
reconhecer
-se

sábado, 11 de abril de 2015

Artes do amar

(ilustração: Otávio Mendes)

I
Melodia:
som que tiras
do meu corpo
com a boca.
Instrumento de sopro,
Deliro

II
No meu sexo
semeias raízes,
teus dedos
desenham sonhos
ainda por ser

III
Com a boca
Consigo-te
tirar
notas sonoras
do mais harmonioso
silêncio

domingo, 1 de fevereiro de 2015

espera

tempo menino
mimado
brinca com as graças
das horas
e esquece
de mim

e os ocos
do meu de dentro
espera
gracejo do tempo
pra levar
o que não tem fim

domingo, 25 de janeiro de 2015

São Paulo 461

São Paulo, danação da minha vida!
é da delícia de suas contradições límbicas
que se renasce e se morre
e renasce-se.
da mistura de línguas, ergue-se babel absoluta,
e todos se afinam no venoso corpo seu
nas linhas do metrô
no colorido do seu cinza mais que cinza.
no estranhamento disforme dos seus órgãos
reconhecemo-nos ontem
hoje
desconhecemo-nos também.
seus pecados são todos
nossas dores
todas
brotam dos arranha-céus
sombrando-se sobre antigos casarões
onde não mora ninguém
e tantos sem ter onde morar
ou comer.
limbo amorfo
seu silêncio ecoa
ruídos
gritos mudos
que recolho e acalento
num oco doido
doído
paulistano coração.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Ar Dor

Umidificar inocências
em
mim,
escorrer-me
por dedos
sábios
(entre) ágeis
quentes cantares,
jocosas jactâncias
frêmito
ardido
É febre o que sinto.

gravura de Milo Manara

quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

último poema do ano

a Manoel de Barros


foi nos barros de Manoel que desencontrei-me 
encantamentos.
enlameada, inteligi bruta verdade
de meu sofrer único:
"disfunção lírica".
- num tenho ouvido pro senadorear.
tagarelice, palreio,
mentirada braba!
mas ganho hora nos toc-tocs dum pica-pau...

Eu gosto, mesmo, é de conversa de passarinho!

domingo, 16 de março de 2014

Boneca de menina

Chegava da escola e ia logo perguntando “cadê a Flora, mãe?”. Minha neta ainda presa num corpo minúsculo de plástico e borracha, em forma de bebê. – “Você já deu um beijo nela hoje? Trocou a fralda? Mãe, a Flora quer ir com você pro seu trabalho. Ela quer passear! Vamos papar, Flora. Você tem que comer tudo pra crescer!”.
Machadianamente penso que a menina é mãe da mulher.
Linda, de cá pra lá, boneca nos braços. Conversa maternalmente “coisas”, chama-lhe atenção, ensina. Revira tudo pra fazer roupinhas, enrola a boneca em mil panos - “Mãe, a gente precisa comprar mais fralda pra Flora, a dela acabou.”- Nem tenho tempo de lembrar que boneca não suja fralda, lá eu vou deixar minha netinha suja?! - “mãe, a Flora, no dia das crianças, quer um maiô!” - E eu, vó absoluta antes dos 40, papariquei minha neta de mentirinha, revivi infâncias com ternura, pra ouvir menina dizer, de repente, “eu te amo, filha”. ----- Eu também! As duas!!
Um dia encontro a Flora só, no sofá. Acreditando que 'alguém' me ouvia: “ô minha fofinha, tá sozinha? Vem aqui com a vovó!” – beijo, aperto... ela nem apareceu, nem estava perto.
Ri de mim e pra mim e fui entrando no quarto dela semi cerrado. Espiei. Empunhava arma mortífera: um batom. Meu cachecol enrolado no corpo, feito vestido, e os sapatos, enormes, nos pés...eram meus. Ela queria outros panos.
Esqueceu a filha Flora, que voltou a ser boneca. Esqueceu da mentirinha, das roupinhas, do maternal amor.
Flora permaneceu linda em sua eterna e plastificada meninice. A 'boneca' nova se via, agora, no espelho.
Minha Bia crescia e esquecia Flora filha. Esquecia que fora filha. Era agora menina mulher, de batom e sutiã. Quer um namorado, tem tédio e TPM e fica horas no quarto ... sem dar a graça de seu ar.
Terminou a mentirinha e nem me perguntou se eu queria parar de brincar.

sábado, 9 de novembro de 2013

Do estranho

Do estranho 

O outro que me sou
convida surpresas
Estranhar-se instiga
o mesmo
Entranhar-me.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

sábado, 14 de setembro de 2013

Leda e O cisne

tonitruante bater de asas
espreita 
Leda lendo
ao largo do lago.
sinuoso cisne
in - sinua - se
in - si
nua - se
em si satisfeito
de si,
de Leda,
plena,
lânguida,
leda

domingo, 21 de julho de 2013

Femina

me pinto pra guerra
sangue suado
pulsante colado
veia-corpo
corpo a corpo
mano a mano
boca a
olhos
pele
gosto.
na guerra
me dispo

quinta-feira, 4 de julho de 2013

alma de poeta

a poesia valsa
e salva
            a alma
da lama
            na lama 
a alma
            valsa
salva a poesia 

domingo, 5 de maio de 2013

quarta-feira, 13 de março de 2013

hora muda

da mudez nasce
o que morre,
que mata
Silêncio eloqüente 
no pensamento 
cala
a mudez fala
com voz ríspida

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

insone



alta madrugada.
cessam sons.
sibilam, distantes, grilos, talvez
só, o nada fala
tudo cala
tudo dorme...

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Silentes

Nasceu tarde, em pequeno banheiro num quarto barato de hotel.
Sem gemido.
Segurava suada a pia do banheiro, acocorada.
No aguaceiro que desentranhava,
muda,
escorria a cria.
Cortou cordão, enrolou em cueiro, deu de mamar.
Dormiram.
Amanhecido, pagou pernoite e saiu da cidade...
longe das sibilantes línguas dos olhos alheios.
Isso sabia do nascimento.
Cresceu no silêncio da mãe, em meio imagens do não dito
e aprendeu dizer o bastável,
pra só ser.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

viverso

o verso que não sai
no meu dentro
ondula
enjoa
torna-se eu
toma-me seu
desmede-se
despede-se
fica.
não sai,
não nasce,
e é.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

poeta





com os dedos
                                            o arrepio
                                            da língua molhada
                                            nos lábios
arranco
                                            os dentes
                                            mordendo
o divino
                                            das coxas
                                            apertando
de mim.

espelho

perder-se de si
é possível
perder-se de si