Chegava da escola e ia logo
perguntando “cadê a Flora, mãe?”. Minha neta ainda presa num corpo minúsculo de
plástico e borracha, em forma de bebê. – “Você já deu um beijo nela hoje?
Trocou a fralda? Mãe, a Flora quer ir com você pro seu trabalho. Ela quer
passear! Vamos papar, Flora. Você tem que comer tudo pra crescer!”.
Machadianamente penso que a
menina é mãe da mulher.
Linda, de cá pra lá, boneca nos
braços. Conversa maternalmente “coisas”, chama-lhe atenção, ensina. Revira tudo
pra fazer roupinhas, enrola a boneca em mil panos - “Mãe, a gente precisa
comprar mais fralda pra Flora, a dela acabou.”- Nem tenho tempo de lembrar que
boneca não suja fralda, lá eu vou deixar minha netinha suja?! - “mãe, a Flora,
no dia das crianças, quer um maiô!” - E eu, vó absoluta antes dos 40,
papariquei minha neta de mentirinha, revivi infâncias com ternura, pra ouvir menina dizer, de
repente, “eu te amo, filha”. ----- Eu também! As duas!!
Um dia encontro a Flora só, no
sofá. Acreditando que 'alguém' me ouvia: “ô minha fofinha, tá sozinha? Vem aqui
com a vovó!” – beijo, aperto... ela nem apareceu, nem estava perto.
Ri de mim e pra mim e fui
entrando no quarto dela semi cerrado. Espiei. Empunhava arma mortífera: um
batom. Meu cachecol enrolado no corpo, feito vestido, e os sapatos, enormes,
nos pés...eram meus. Ela queria outros panos.
Esqueceu a filha Flora, que
voltou a ser boneca. Esqueceu da mentirinha, das roupinhas, do maternal amor.
Flora permaneceu linda em sua eterna e plastificada meninice. A 'boneca' nova se via, agora, no espelho.
Minha Bia crescia e esquecia Flora filha.
Esquecia que fora filha. Era agora menina mulher, de batom e sutiã. Quer um
namorado, tem tédio e TPM e fica horas no quarto ... sem dar a graça de seu ar.
Terminou a mentirinha e nem me perguntou se eu queria parar de brincar.